sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

MISSÕES


A partir de 1862 os Guaranis e os Jesuítas reiniciam a segunda fase das Reduções Jesuíticas denominada de Sete Povos. A finalidade desta ocupação era deter o avanço português em direção ao litoral sul, para tal o governo espanhol determinou a fundação de povoados a partir do Uruguai, ocupando as terras com estâncias e lavouras.
A organização dos Sete Povos assemelhava-se à estrutura dos povoados espanhóis: com uma praça central tendo em volta as diferentes edificações. Num dos lados da praça erguia-se o complexo formado pela igreja, residência dos padres, cemitério, cotiguaçu, colégio, oficinas e horta.
A praça era um espaço cívico-religioso com uma cruz latina em cada canto, tendo também uma coluna com o orago do povoado. Aos domingos e dias santificados os nativos realizavam procissão, jogos, danças e teatros. Na saída da missa os adultos recebiam a ração diária da erva-mate. Depois da refeição noturna, a comunidade se reúne na igreja para orar.
No primeiro dia de cada ano elegia-se o CABILDO que governaria o povo naquele ano, sendo os eleitos, por formalidade, aprovados pelo governador de Buenos Aires.
Cada povo dividia-se em classes, segundo o oficio, tendo cada um seu ALCAIDE privativo. As mulheres, também segundo o oficio, tinham alcaides próprios: velhos de conduta exemplar. Os meninos e meninas a partir dos 5 anos, eram confinados a alcaides ou aias, respectivamente, que os deveriam assistir tanto material como espiritualmente, bem como procuravam habitua-los desde pequenos aos trabalhos a que seriam destinados.
Cada povo dividia-se em PARCIALIDADES que levaram nomes de santos, de 8 a 10, conforme a população. Cada PARVIALIDADE era assistida por 4 a 6 caciques, a quem eram confiadas de 40 a 50 famílias para zelar, determinar e controlar o trabalho, distribuir terras, etc.
O cacicado era hereditário, continuação do cargo de quando ainda não eram missioneiros e constituía certa nobreza. No entanto no trabalho não havia privilégios.
Quarenta anos haviam passado no exílio os nativos fugidos dos bandeirantes e no RS, o gado estava se multiplicando prodigiosamente. Este gado era considerado por eles de sua propriedade.
Quando este gado começou a ser explorado por espanhóis e portugueses, depois do cerco da Colônia do Sacramento, em 1680, os Tapes que ainda sofriam a saudade da pátria, decidiram retornar. Fato que foi reforçado com a fundação pelos portugueses em 1686 da cidade de Laguna.
Não se localizavam precipitada ou desordenadamente nativos liderados pelos missionários, se antecediam escolhendo cuidadosamente o lugar: alto de uma coxilha, com boas terras cultiváveis para a agricultura e águas abundantes. A distancia entre um povo e outro devia ser de 25 a 30 km, um dia de caminho para a época. A torre da igreja se via a torre da igreja do Povo vizinho, o que facilitava a comunicação por sinais convencionais em caso de perigo e necessidade de socorro mútuo.
Escolhido o lugar, vinham os homens, sempre auxiliado pelos demais povos, construíram as casas de madeira e palha no inicio. Plantavam as primeiras lavouras e quando essas começavam a produzir, chegava toda a população que daria inicio ao povo.
São Francisco de Borja
Fundado em 1682, a principio era apenas era apenas uma espécie de colônia do Povo de São Tomé, de onde partiram 195 pessoas.
Agregou-se a este Povo, uma pequena aldeia, construída pouco antes, com nativos genoas: a Jesus Maria dos Genoas.
Recebendo nova leva de São Tomé formou-se um povo a parte, em 1687. O fundador deste Povo foi o Padre Francisco Garcia. Menção especial merece o irmão José Brazanelli que orientou a construção da Igreja e das casas do Povo, bem como treinou e comandou os nativos em vários combates contr a Colônia do Sacramento e a Confederação dos Genoas, instigados pelos portugueses. São Francisco de Borja contava em 1707 com 2814 habitantes.
São Luiz Gonzaga
Descendentes das antigas reduções de São Joaquim e Santa Tereza, cujos retirantes haviam sido recolhidos pelo Povo de Conceição (o mais antigo da Banda Ocidental do Uruguai) eram as 2.922 pessoas que iriam formar São Luiz Gonzaga, em 1687. Presidiu o retorno o Padre Alonso de Castilho. Superior de todos os Povos e foi o 1º Cura o Padre Miguel Fernandes. Em 17007 contava com 1997 habitantes.
São Nicolau
Ante a investida bandeirante os habitantes da redução de São Nicolau ladearam o rio Uruguai onde, em 1651, formaram um só Povo, com o nome de apóstolos, com os nativos também fugidos do Tape e da redução desse mesmo nome.
De apóstolo saíram 3000 pessoas em 1687, voltando para o lugar primitivo a que deram o mesmo nome, isto é, São Nicolau.
Duas desgraças marcam o inicio deste novo Povo: um furacão devastador e um incêndio que destruiu quase tudo, a partir da Igreja. Refizeram-se logo desses revezes e, em alguns anos o Povo e a Igreja já estava reconstituído com pedra. Foi seu construtor o Padre Anselmo de La Mata. Em 1707 contava com 5386 pessoas.
São Miguel Arcanjo
A primitiva redução de São Migel fora fundada em 1632 pelo Padre Cristóvão de Mendonça, à margem direita do rio Ibicuí. Fugindo dos bandeirantes, sua população refugiou-se nas proximidades de Conceição.
Em 1587, alegando falta de espaço para a expansão de suas lavouras, resolveram retornar 4195 pessoas fixando-se na Bacia do rio Piratini, no local onde conhecemos hoje as ruínas desse povo.
Já em 1690 os nativos estavam construindo uma ampla casa de seis aposentos para os padres... estando bem adiantadas outras cem, destinadas aos nativos, todas cobertas de telhas de barro, que fabricavam na doutrina.
A famosa igreja das atuais ruínas foi construída pelo arquiteto irmão João Batista Primoli, que construira antes a catedral de Córdoba, o Cabildo e a Igreja de São Francisco de Buenos Aires. Dirigiu a construção da Igreja de São Miguel de 1735 a 1744 com o auxilio exclusivo de pedreiros e carpinteiros Guaranis em numero de 1000.
Em 1697 parte da sua população 2832 pessoas desmembrou-se, indo fundar São João Batista. Em 1707 possuía 3110 habitantes.
São Lourenço Mártir
Foi fundada em 1690 com nativos do Povo de Santa Maria Maior, descendentes dos fugitivos do Gaíra. Esse Povo foi liderado pelo Padre Bernardo de La Veja, instalando no inicio 3510 pessoas. Em 1707 eram 4519 os habitantes deste Povo.
São João Batista
Em 1597, considerou-se que as redondezas do povo de São Miguel já não bastavam para prover a população: dele saíram então, 2832 pessoas dando origem ao Povo de São João Batista.
Foi fundador desse Povo, talvez o mais genial dos missioneiros que trabalhavam nos povos missões, o Padre Antonio Sepp. Era musico, com sólida formação de musica vocal e instrumental. Artista: os instrumentos de sua orquestra foram todos feitos por ele e seus discípulos.
A Igreja teve inicio em 1708, ano em que já havia mais de 3400 nativos neste povo. Arquiteto construiu o Povo e a “Igreja, que nada ficava devendo às Igrejas BAvarias”, segundo testemunho da época. Extraiu o primeiro ferro das Missões, fazendo instrumentos de toda a espécie, bem como os sinos da Igreja do seu Povo. Sua obra-prima foi o relógio da torre da Igreja que ao dar as horas, fazia desfilar pelo mostrador 12 apóstolos. No povo de São João Batista havia artista em todas as profissões, todos orientado pelo Padre Sepp.
Santo Ângelo Custódio
Conceição fora o Povo que abrigava maior numero de nativos que haviam fugido dos bandeirantes. Dele se desmembrou, em 1687, o Povo de São Luiz Gonzaga.
Considerando ainda em excesso de população, nova leva partia em 1706 e, depois de atravessar o rio Uruguai, localizava-se na confluência do rio Ijuizinho com o rio Ijuí. No entanto, por ser reduzido o espaço para a expansão do povo no ano seguinte, em 1707, transpondo o rio Ijuí radicou-se onde hoje se ergue à cidade do mesmo nome. Eram 2879 os seus primeiros habitantes. Deve-se ao Padre Diogo de Hasse a fundação do Povo de Santo Ângelo Custódio.
Estes Sete Povos, com os 23 Povos da Banda Ocidental do Uruguai formavam uma província, sob a jurisdição do Provincial dos Jesuítas. No entanto, cada a relativa autonomia interna.


Referencias bibliográficas:
FLORES, Moacyr. História do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Nova Dimensão 1996, 5ª ed.
_______________ . Colonialismo e Missões Jesuíticas. Porto Alegre, EST, 1983.
LAZAROTTO, Danilo. Historia do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Sulina, 1982.
QUEVEDO, Julio. Rio Grande do Sul Aspectos das Missões. Porto Alegre, Martins livreiro,

• FLORES, Moacyr. História do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Nova Dimensão 1996, 5ª ed.

• Colonialismo e Missões Jesuíticas. Porto Alegre, EST, 1983.

• LAZAROTTO, Danilo. Historia do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Sulina, 1982.

QUEVEDO, Julio. Rio Grande do Sul Aspectos das Missões. Porto Alegre, Martins livreiro, 1991.

Texto escrito por Patrícia Barboza da Silva.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

POESIA - Louco

LOUCO
Vaine Darde

Eles me interditaram...
Afastam-me das domas,
Não me deixaram usar adagas,
Nem, sequer, cuidar do fogo...
E conspiram contra mim
Com silêncio e solidão.

Pois alegam, uns aos outros,
Que me tornei perigoso
Desde quando me encontraram
Conversando com as ovelhas,
Desde quando descobriram
Que eu cultivo girassóis
Por devoção às abelhas.

Dizem que ando variando
Com milongas circulares
Na canção dos cataventos,
Que fiquei de miolo mole
e me desfiz das esporas
Por ter pena dos cavalos...

Proibiram-me transpor
Os limites da porteira
Numa espécie de desterro
Que me exila na querência.
Mas, eu sei que eles não sabem
Que os olhos de quem sonha
Vêem além dos horizontes...

Eles dizem que sou louco
Porque vago pela estância
Conferindo cada ninho
Onde os vôos eclodiram,
Fazendo tenda do pala
sobre o topo das coxilhas
Pra navegar nas estrelas
Nessas noites de verão...

(Imagina se soubessem que eu carrego,
nos pessuêlos, uma colméia de versos...)

Mas enquanto eles proseiam
Agrupados no galpão,
Para encantar meu silêncio
O vento canta pra mim,
As sangas cantam pra mim,
Os grilos cantam pra mim.

Enquanto eles, que se julgam certos,
Tomam mates sonolentos
Com a água da cacimba.
Eu, numa cambona de açude,
Sorvo a lua num porongo
E povôo a solidão
Com as ausências que me habitam.

Eu embrulho a palavra
Numa folha de papel
Onde guardo traduções de ocasos e auroras,
Onde exponho meu silêncio
Com zumbidos de abelha
E confesso a ternura
Que dedico aos que me odeiam.

Eu trabalho mais que eles.
Sou só um nas sesmarias
Pra saber de cada flor,
Pra saber de cada pássaro
Com que o campo sinaliza
E os outros não percebem...

Eles, sequer, reparam
Quanto sol de cada dia
Se acumula nas laranjas,
Que porção de lua cheia
Se derrama em frenesí
Na gestação da semente.
Eu, sim, eu sou livre entre
o campo e as estrelas,
Eu sei todos os caminhos
que a querência me revela
Porque vivo além de mim
O que a vida me concede.

Mas, se louco é ser dono de si mesmo
E saber que as laranjeiras
Choram lágrimas de pétalas
Num cio vertiginoso
De excessiva floração,
É ter consciência plena
Que a loucura é a poesia
Que, por não caber do peito,
Se extravasa em dialetos
E ilumina seus eleitos:

Então eles estão certos:
Eu sou mesmo perigoso,
Uma ameaça constante
De povoar o galpão
Com guitarra e ar-iris,
E abelha, e girassol.

Não, não é a mim que eles temem
Porque sabem inofensivo
Meu delírio musical...
O que eles não suportam
É aceitar a realidade
De um louco ser feliz.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

REAL FEITORIA DO LINHO CÂNHAMO


Instalaram-se a mando do Marquês de Pombal, Primeiro Ministro do Império de Portugal as Reais Feitorias do Linho Canhamo, que funcionavam como uma "estatal portuguesa", contando com grande número de escravos africanos, e produziam linho cânhamo, matéria prima para velas e cordéis dos navios.

Foi inicialmente (1783) localizada em Canguçu Velho (que hoje abrange partes de Canguçu, Pelotas e Turuçu). Os produtos eram escoados para a Lagoa dos Patos possivelmente por um porto localizado no Arroio Correntes.

Por causa da pouca fertilidade do solo, foi transferida, em 14 de outubro de 1788, para região denominada Fachinal da Courita, no Vale do Rio dos Sinos (abrangendo partes dos municípios de São Leopoldo, Estância Velha, Portão). Na feitoria do Vale dos Sinos a produção era transportada para Porto Alegre pelo rio dos Sinos, primeira via econômica da região.

Sua estrutura compunha-se da casa-grande que era o centro das atividades e moradia do feitor ou outra autoridade da Feitoria. Nas senzalas moravam os escravos. Havia ainda os galpões para animais e depósitos diversos.

A feitoria persistiu até depois da Independência do Brasil, sendo extinta em 31 de março de 1824. Suas terras foram destinadas a abrigar imigrantes alemães que recém chegavam ao Rio Grande do Sul.

A casa onde funcionava a sede da Real Feitoria do Linho Cânhamo em São Leopoldo, permanece ainda no mesmo local, no Bairro que leva o nome de Feitoria, conhecida como Casa da Feitoria ou Casa do Imigrante.

Referências

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

AS CHARQUEADAS


Incorporada à Coroa Portuguesa somente no século XVIII, a região sul do Brasil foi paulatinamente ocupada por meio do descumprimento dos limites do tratado de Tordesilhas. Exploradores de toda espécie e, principalmente, jesuítas foram fundamentais para que essa região fosse economicamente ativa. Por muito tempo, os espanhóis temiam a presença lusitana na região por causa de sua grande proximidade com as áreas de mineração do Rio da Prata.

A partir da segunda metade do século XVIII, o território sulista se transformou em um grande polo pecuarista. Tal atividade se desenvolveu graças ao relevo plano, a rica pastagem natural que permitia a criação de gado em larga escala. Em um primeiro momento, a produção de couro foi fomentada para se atender as demandas da metrópole. Posteriormente, com o enfraquecimento da pecuária no Nordeste, observamos a produção e o comércio do charque, também conhecido como carne seca.

Carregado no lombo de mulas, o charque tinha destaque no mercado alimentício interno. Por conta das grandes dificuldades de transporte da época, a conservação dos víveres se tornava uma tarefa muito complicada. Nesse aspecto, o charque levava enorme vantagem por ser um produto que resistia bem ao processo de deterioração da matéria orgânica. Com o aumento dos centros urbanos, principalmente por conta da atividade mineradora, o charque passou a ser produzido em grandes quantidades.

Ao sustentar a demanda alimentar de outras regiões, o charque foi sendo agente responsável na consolidação de grandes centros urbanos no sul do Brasil. Além disso, também podemos assinalar a formação de uma enriquecida elite pecuarista que desenvolvia e controlava as charqueadas no interior de suas propriedades. Paralelamente, uma significativa quantia de escravos era explorada para que o lucro com a atividade crescesse de forma exponencial.

A importância dessa atividade econômica chegou a motivar o desenvolvimento de uma das mais agressivas rebeliões do Período Regencial. Em meados de 1830, os estancieiros gaúchos cobravam medidas do governo para que a concorrência dos países vizinhos fosse diminuída. Apesar da demanda, o governo brasileiro se negou a atender ao pedido dizendo que os preços do charque e do couro gaúcho eram abusivos.

Sentindo-se menosprezados pelo governo central, as elites pecuaristas organizaram tropas e realizaram a conquista das províncias do Rio Grande do Sul e Santa Catarina durante a chamada Revolução Farroupilha. Entre 1835 e 1845, o governo brasileiro e os farrapos travaram violentos conflitos que desgastaram ambos os lados. Após negociações, as divergências políticas foram sanadas com a assinatura do Tratado de Ponche Verde.


Por Rainer Sousa
Graduado em História
Equipe Brasil Escola

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

LENDAS - A lenda da Erva Mate


Conceito de lenda: relato oral ou escrito de acontecimentos reais ou fictícios do passado, aos quais a imaginação popular ou poder criador do poeta contador de histórias acrescentam novos elementos e cuja memória faz parte do património cultural do povo.

Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea

Academia das Ciências de Lisboa

Principais características:

1) Fundo autêntico: as lendas baseiam-se sempre em algo verídico.

2) Probabilidade: pode-se colocar a hipótese dos acontecimentos terem acontecido.

3) Localização: a lenda encontra-se sempre situada espacialmente.

4) Época: a lenda encontra-se localizada no tempo.

5) Maravilhoso popular: o povo tem o poder de tirar/acrescentar fatos à lenda.

6) Maravilhoso cristão: frequentemente as lendas estão associadas a fatos cristãos.

As lendas possuem finalidade?

As lendas possuem a finalidade de divertir, tanto que antigamente, as pessoas juntavam-se em grupos e partilhavam as lendas que conheciam. Foi assim que as lendas chegaram até aos dias de hoje - via oral. Através das lendas são explicados determinados factos, certas “coisas” que estão presentes na actualidade e não têm explicação científica.

A Origem do Mate, segundo os jesuítas


Um dia Cristo desceu à terra, acompanhado por São João e São Pedro, e veio ter às selvas americanas. Depois de um penoso viajar pelas florestas sem fim, encontrou - perdido no fundo dos bamburrais - o rancho de um velho índio que ali morava em companhia de sua filha, jovem de deslumbrante formosura. Os três viajantes foram muito bem recebidos, e Jesus resolveu premiar aquela franca hospitalidade que encontrara no rancho do selvícola. Indagando-lhe o que mais desejava em sua vida, recebeu esta resposta:
- Senhor! Anhangá tomou conta dos corações humanos: as guerras incendeiam os campos de minha terra, e não há mais tranqüilidade nas tabas de meu povo. Vencedores, os guerreiros não poupam os vencidos: os homens são trucidados e as mulheres jovens são arrastadas a satisfazer os mais baixos instintos. Por isso, fugi de minha tribo e vim enterrar-me no escuro das florestas. Não por salvar-me, que pouco me resta viver. Mas para afastar minha filha das garras do pecado. Sei que em breve morrerei, e o que mais me acabrunha é pensar que a deixarei desprotegida, novamente exposta à fúria das paixões. Assim, Senhor, se alguma cousa me fosse dado pedir, eu pediria uma eterna proteção à alma de minha filha. Que ela fosse eternamente bondosa, eternamente pura, eternamente linda:

Respondeu Jesus:
- Se Anhangá hoje impera em tuas selvas, podes crer que o Deus-do-bem voltará a estender seu manto de paz sobre a taba de teus irmãos. As selvas se encherão de cânticos e as almas se encherão de luz. É o Deus-do-Bem que me envia para proteger teu povo... Tu, que foste bom, generoso e hospitaleiro, mereces ser recompensado. Farei de tua filha aquilo que me pedes. Símbolo da bondade, ela retribuirá o mal com o bem: aos que quiserem roubar as delícias do seu corpo, premiará com a fartura nos ranchos. E nenhuma força será capaz de abatê-la, pois por mais que a queiram aniquilar, sempre haverá de renascer, triunfante, trazendo força e inteligência aos homens de tua raça. Tua filha será eternamente linda e eternamente pura, pois. transformá-la-ei na mais linda e mais pura das árvores; linda no contorno das folhagens e pura no manto verdejante que lhe descerá até os pés. Tua filha será eternamente linda, eternamente pura e bondosa...

E Deus a transformou na erva-mate...

SÂO TOMÉ NA AMÉRICA

Quando, em 1624, os padres Montoga e Mendonza fundaram a vila de Encarnación, importante missão jesuítica posteriomente destruída, tiveram curiosidade em saber o que pensavam os selvícolas a respeito do mate, bebida que já constituía um hábito característico do Paraguai. Tiveram por resposta que a erva-mate lhes servia de alimento e remédio desde o dia em que Pai-Zumé, um estranho personagem que há muito tempo estivera naquelas tabas, lhes ensinara como aproveitar as folhas da caá (que até então julgavam venenosas), e como lhes usufruir os efeitos medicinais. Contavam também os indígenas que Zumé era um homem poderoso: as selvas brutas conservavam intacto o caminho por onde ele passara, desde o Tibagi até o Piquiri; e às margens deste rio, Zumé havia deixado, numa pedra, o sinal de seus pés - testemunho eterno de sua passagem por aquelas terras.

Os dois jesuítas logo aliaram a figura de Zumé à pessoa de São Tomé, o apóstolo que provavelmente teria visitado o continente americano pregando a doutrina de Cristo. A versão cristianizada da lenda logo se espalhou entre as populações brancas, e em breve era voz corrente que a erva-mate havia sido descoberta e bendita pelas mãos de São Tomé. Isto é o que vamos encontrar em muitos livros da época, a iniciar-se pelo “Tratado sobre o uso do mate no Paraguai”, escrito pelo licenciado Diego Zevallos em meados do século XVII e publicado em Lima no ano de 1667.

Lozano, no capítulo VIII de sua “História de la Conquista del Paraguay”, também se refere a São Tomé, narrando que durante uma terrível peste que assolara as tribos guaranis, foi aquele santo o salvador do gentio, ensinando-lhes como preparar a erva-mate, eficaz remédio contra aquela epidemia e muitas outras doenças.

A peste foi vencida, e a milagrosa bebida, cujo uso se generalizara por todas as tabas guaranis, continuou a prestar inúmeros benefícios. E por muito tempo os selvícolas guardaram na memória a figura daquele bom Zumé, que um dia, apesar das súplicas e protestos gerais, teve de deixar as terras do Paraguai.

Santo Tomé les responde:

“Os tengo que abandonar
Porque Cristo me ha mandado
Otras tierras visitar.
En recuerdo de mi estada
Una merced os he de dar,
Que es la yerba paraguaya
Que por mi bendicta está”.
Santo Tomé entró en el rio
Y en peana de cri tal
La aguas se lo llevaron
A las l anuras del mar.
Los indios, de zu partida
No se pueden consolar,
y a Diós sempre están pidiendo
Que vuelva Santo Tomás.


(Trecho extraído do livro "História do Chimarrão", de Barbosa Lessa, publicado em 1a. edição pelo Departamento de Cultura da Prefeitura do Município de São Paulo e editado posteriormente em 2a. edição pela Livraria Sulina).